A engenharia do silêncio: como Porsche e GreenV estão redesenhando o ato de “abastecer” no Brasil

Por Erik Perin
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Instalar carregadores é fácil. Difícil é fazer infraestrutura – aquela que funciona de madrugada, sob chuva, com fila, sem derrubar o transformador nem a paciência de quem viaja. É nesse ponto que a parceria entre Porsche e GreenV muda de patamar: um programa para criar mais de 100 carregadores ultrarrápidos em corredores estratégicos, com investimento inicial de R$ 70 milhões, transformando recarga em serviço previsível e não em loteria tecnológica.

Potência não é tudo; entrega é que conta
A promessa é HPC (High Power Charging) de alta potência contínua – tipicamente entre 180 e 320 kW por ponto, com gabinetes capazes de power sharing (divisão dinâmica da potência entre duas vagas). O detalhe que separa o “uau” do “funciona” está na curva de carga: carros de 800 V aproveitam picos superiores por mais tempo (10–80% em ~20–25 min, a depender do pack e da temperatura), enquanto modelos 400 V se beneficiam de boosters DC/DC e cabos líquido-refrigerados para sustentar correntes elevadas sem degradação térmica. O sistema conversa com o BMS do veículo em tempo real para adequar corrente a SoC, química (LFP/NMC) e janela térmica – menos marketing, mais quilometragem útil.
Padrões que importam: do plug ao protocolo
A base é CCS2 com OCPP 1.6/2.0.1 para telemetria, diagnóstico e tarifação dinâmica, além de ISO 15118 (Plug&Charge) onde o carro permitir. Isso viabiliza roaming, reserva de vaga, preço por kWh em tempo real e SLA de disponibilidade acima de 97–98%. Na prática, o usuário enxerga mapa vivo (livre/ocupado), inicia a sessão por app, RFID ou automático (Plug&Charge) e recebe uma fatura compreensível, com começo, meio e fim.
O que ninguém vê (mas paga a conta): rede, picos e calor
HPC em escala só fecha com engenharia de rede. Entram estudos de curto-circuito, harmônicos, fator de potência e demanda; baterias estacionárias fazem peak shaving (suavizam picos), reduzindo custo e aliviando o alimentador em horários críticos. Chillers dimensionados mantêm a temperatura dos módulos de potência e dos cabos; a lógica de redundância N+1 em retificadores e conectores evita que uma falha derrube o site. O ecossistema nasce 24/7, iluminado, com CFTV, acessível e failover para comunicação – porque HPC sem dados vira poste mudo.
Corredores antes de capilaridade
A estratégia prioriza rotas de alta demanda e nós logísticos (entroncamentos, anéis viários, eixos interestaduais), onde potência e giro de vaga geram mais valor imediato. A capilaridade urbana vem com AC de garagem e DC média em polos de serviço. Essa partição é racional: a cidade “recarrega devagar”, a estrada precisa de potência. O resultado é menor fila em viagem e menor custo sistêmico no cotidiano.

Experiência é projeto, não adereço
Canopy amplo, vagas largas e bem demarcadas, padrão de sinalização único, banheiros, wi-fi e pagamento sem fricção – nada disso é luxo. É o que transforma uma parada de 18–30 minutos em jornada aceitável. A parceria mira padronização visual e operacional para que qualquer site pareça familiar, do interior ao litoral.
Efeito multiplicador: do turismo à logística
Quando recarga vira infraestrutura repetível, desarma-se a “ansiedade de autonomia” e destravam-se frotas corporativas, rentas premium e turismo rodoviário elétrico. Concessionárias e parceiros locais viram nós de energia, abrindo espaço para microgeração fotovoltaica, armazenamento e serviços ancilares (suporte à rede). A rede deixa de ser custo fixo e passa a ser ativo operacional.
Não é o número do totem que muda o jogo, é o que acontece entre o kWh e o quilômetro. O resto, como sempre, é ruído – e ruído, nesse universo, é justamente o que não se quer ouvir.