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Marchas para o silêncio: o Super-One e a ousadia de dar textura aos elétricos

Erik Perin
29 de outubro de 2025
Acessos: 32

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O Super-One é o tipo de protótipo que reabre uma conversa dada por encerrada: a de que carros elétricos são, por natureza, silenciosos e lineares. A Honda levou ao Japão um compacto elétrico que simula caixa manual de sete marchas, com patilhas, controle ativo de som que acompanha o “regime” do motor virtual e um modo Boost que encurta respostas e intensifica a experiência. O roteiro é deliberado: devolver ritmo, antecipação e erro — ingredientes que entusiastas associam ao ato de dirigir — sem abandonar a eficiência e a arquitetura de um BEV moderno. Em vez de ruído por ruído, há sintonia digital entre os mapas do inversor, a entrega de torque e o áudio sintetizado no habitáculo, para que o ouvido, as mãos e o acelerador contem a mesma história.

Design Simples do Super-One
Design Simples do Super-One

A engenharia por trás do truque vai além do teatro. Um elétrico entrega torque máximo desde o zero, o que torna redundante qualquer escalonamento mecânico; ainda assim, escalas virtuais podem modular a rampa de torque para criar “zonas de trabalho” distintas, manipulando sensação de tração, freio-motor e aquela pausa mínima entre “trocas” que dá contexto à velocidade. Quando o condutor “passa uma marcha” nos paddles, o software altera o set-point do inversor, mexe no avanço de resposta e reprioriza o recuperativo na regeneração, simulando um powertrain com personalidade — sem engrenagens reais. O Active Sound Control usa envelopes que variam com carga e velocidade, substituindo o ruído branco do vento por um “instrumento” afinado com o que as rodas fazem no asfalto. Nada disso exige sacrificar o que importa num BEV urbano: um único redutor, inversor eficiente, pacote de baterias compacto (arquitetura de 400 V é suficiente aqui) e BMS que segue otimizado para ciclos curtos, baixa massa e arrefecimento simples.

Interior do Honda Super-One
Interior do Honda Super-One

Há, claro, uma tese de produto. Ao vestir um kei-hot-hatch de proporções quadradas e cabine alta com um “sistema nervoso esportivo”, a Honda sinaliza um sucessor espiritual do que o Honda e prometeu: pequeno por fora, surpreendentemente utilizável por dentro, com interfaces que tratam o carro como plataforma de software. A estética de “brinquedo sério” — superfícies limpas, iluminação coordenada nas “trocas”, menus dedicados a som/Boost — não busca imitar combustão; busca dar textura ao elétrico. É também um gesto de pragmatismo industrial: som sintético e escalas virtuais custam menos que perseguir cifras de potência absolutas em um segmento em que massa, preço e consumo (kWh/100 km) decidem a compra. O efeito colateral pode ser virtuoso: se a experiência convencer, o carro pequeno elétrico deixa de ser escolha de planilha e volta a ser objeto de desejo, com direito a ritual.

Honda Super-One
Honda Super-One

Do lado da condução, o que se projeta é um alfabeto de modos. No dia a dia, “Drive” entrega o que um compacto elétrico deve entregar: linearidade, regeneração ajustável e silêncio útil. Em rotatórias e serras, o “Manual” digital impõe limites e recompensas: uma terceira por mais tração no miolo da curva, uma segunda “esticada” antes do Boost, uma quarta curta para não matar a retomada. Nada obriga o condutor a jogar esse jogo; mas a opção existe. E há uma camada educacional subentendida: jovens que nunca operaram embreagem e alavanca podem descobrir por que “marcha errada” afoga giro — sem quebrar uma caixa real, sem queimar embreagem, sem risco físico. Se o protótipo virar produto, as fronteiras entre acessibilidade, prazer e eficiência ficam menos rígidas.

Talvez o mérito do Super-One não seja “trazer marcha a um elétrico”, e sim trazer dial onde havia slider: graduar, modular, escolher. A eletrificação venceu o debate técnico; agora disputa o campo sensorial. E a Honda, que fez escola com caixas manuais e motores que pediam rotação, tenta uma tradução honesta desse legado para o silício. Se virar linha, não será porque enganou o ouvido — será porque convenceu o pé direito a querer apertar de novo.