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472 km/h e o silêncio: o que o Yangwang U9 realmente nos ensinou

Erik Perin
15 de setembro de 2025
Acessos: 7

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Velocidade máxima, por si só, já foi sinônimo de coragem e de engenharia bruta. No Yangwang U9 Track Edition, ela virou um projeto de sistemas: um carro elétrico que rompeu a barreira dos 470 km/h não por magia de potência, mas pela soma de arquitetura elétrica, aerodinâmica cirúrgica, eletrônica de potência e gerenciamento térmico capazes de sustentar, por minutos decisivos, o que muitos supercarros só conseguem por segundos.

Yangwang U9 em altissima velocidade
Yangwang U9 em altissima velocidade

Potência é o começo, não o fim

O U9 parte de um arranjo quad-motor (um motor por roda) que passa de 1.300 cv de potência total. Em elétricos, porém, o que determina o sprint final não é apenas o valor de pico, e sim quão baixo é o atrito elétrico do sistema — perdas em cabos, barramentos, inversores e enrolamentos — a velocidades próximas da rotação limite. Daí a adoção de:

  • Arquitetura de 800+ volts, que reduz corrente para igual potência e, com isso, calor resistivo (I²R) em inversores e cablagem.
  • Módulos de potência em carbeto de silício (SiC), operando comutação mais rápida e perdas menores, especialmente quando a demanda de potência não dá trégua.
  • Controle vetorial de torque contínuo, ajustando milimetricamente a tração em cada roda para manter o carro “neutro” mesmo quando a pressão aerodinâmica muda a cada rajada de vento.
Interior da Cabine do Yangwang U9
Interior da Cabine do Yangwang U9

Aerodinâmica sem romantismo

Chegar a >470 km/h expõe um fato incômodo: o ar é o principal inimigo. A potência necessária cresce próximo do cubo da velocidade — e qualquer milímetro extra de projeção frontal ou turbulência custa quilômetros por hora. A “Track Edition” encarou isso com pragmatismo:

  • Superfícies de baixa interferência e fechamento minucioso de frestas para reduzir vórtices parasitas.
  • Aletas e spoilers com ângulos de ataque mínimos no modo de velocidade, para derrubar o arrasto (Cd) sem anular a pressão vertical (downforce) indispensável à estabilidade.
  • Dutos de ar para arrefecimento dimensionados por necessidade real — menos abertura quando não há frenagem intensa, mais abertura quando o sistema térmico exige, sempre priorizando o arrasto total.

A estabilidade a 470+ km/h nasce desse balanço: downforce suficiente para “plantar” o carro no asfalto, mas não mais do que o estritamente necessário, para o Cd não matar a velocidade.

Tem um visual bem maneiro, não?
Tem um visual bem maneiro, não?

O verdadeiro gargalo: temperatura

Manter motores, inversores e bateria dentro da janela térmica é a linha entre recorde e abandono. O U9 trabalha com:

  • Circuitos térmicos independentes, separando bateria, eletrônica de potência e máquinas elétricas, cada qual com sua bomba e radiadores.
  • Pré-condicionamento inteligente: o software aquece ou esfria a bateria até a temperatura ideal antes da puxada, garantindo baixa resistência interna e tensão estável durante a descarga pesada.
  • Heat-spreaders e canais líquidos encostados nos estatores, para extrair calor em rotações nas quais o fluxo de ar não basta.

Em picos assim, o regenerativo praticamente sai de cena: a energia cinética envolvida é colossal, e o sistema prioriza frenos carbono-cerâmica sob um brake-by-wire que administra pressão, temperatura e estabilidade.

Pneus e chassis: a diplomacia com o asfalto

Rodar a velocidades absurdas exige pneus com construção específica (carcaça, cintas e composto) e classificação além da escala usual. O chassi rígido e a suspensão ativa — herdeira de sistemas capazes de “dançar” o carro, aqui reprogramada para o oposto: anular movimentos — seguram pitch e roll para que a aerodinâmica funcione como foi calculada. No limite, poucos milímetros de variação de altura alteram o mapa de pressão sob o assoalho e, com ele, a estabilidade.

O que esse recorde significa (além do número)

  1. O teto do elétrico ainda subiu: não se trata de provar que “EV também corre”; trata-se de demonstrar que a plataforma elétrica é escalável — e que a barreira agora é a engenharia do ar e do calor, não a falta de motor.
  2. Sustentação > pico: números de potência de apresentação cedem lugar a eficiência sob carga sustentada. Isso tem efeito cascata na rua: mais autonomia em alta, menos derating em subidas longas, melhor consistência em dias quentes.
  3. Software como peça estrutural: pré-condicionamento, vetorização, gerenciamento de temperatura e protocolos de segurança formam um “quinto motor” invisível. A curva de velocidade é, no fim, curva de software.

Quando um carro cruza 470 km/h sem uma gota de gasolina, a estatística é tentadora. Mas a lição mais útil está nos bastidores: cada quilômetro por hora extra nasceu de um watt que não virou calor e de um coeficiente que foi limado do vento. Recordes acabam; esse método fica.

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