Eclipse EV: quando a Aliança troca o emblema, mas eleva a engenharia

Por Erik Perin
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O novo Mitsubishi Eclipse elétrico não é apenas mais um capítulo da eletrificação; é a vitrine de como plataformas compartilhadas podem ganhar sotaques distintos sem perder consistência técnica. Na Europa, o modelo nasce sobre a mesma arquitetura do consagrado crossover elétrico da parceira de Aliança — e isso diz muito: pacote de baterias de alta densidade, gestão térmica madura, eletrônica de potência eficiente e um software que assume papel central, do consumo à segurança.

Plataforma, motor e bateria: a matemática da eficiência
A base é uma arquitetura dedicada a BEVs, com bateria no assoalho (skateboard) formando parte estrutural do conjunto. O sistema opera em 400 V, solução que equilibra custo e desempenho para o segmento:
- Dois tamanhos de bateria (uma para alcance urbano estendido e outra para rodoviário), quimicamente de alta densidade (família NMC).
- Motor dianteiro com potências na faixa de 125–160 kW (170–220 cv), privilegiando eficiência em ciclo real.
- Autonomia WLTP competitiva para o porte — o pacote maior orbitando a casa de 600+ km em condições europeias, reforçada por bomba de calor e calibração de regeneração que não “trava” o carro na cidade.
Não há milagres aqui: o que existe é baixa resistência na transferência de energia (cablagem e inversores bem desenhados), perdas térmicas sob controle e um conjunto que se mantém repetível após muitas sessões de recarga rápida.

Recarga e térmica: potência que você realmente usa
Em AC, o carregador de bordo (OBC) trabalha com 11 kW de série e 22 kW opcional, útil para quem tem acesso trifásico e quer “encher” a bateria num almoço estendido. Em DC, o projeto foi pensado para 120–150 kW de pico — o suficiente para repor 20–80% em torno de meia hora quando a bateria está pré-condicionada. O segredo está menos no número de vitrine e mais na curva de carga: manter potência alta por mais tempo sem forçar a química. Para isso, o sistema combina:
- Pré-aquecimento ou arrefecimento do pack conforme rota, clima e estado de carga (SOC);
- Canais líquidos e heat-spreaders que espalham calor nos módulos;
- BMS que negocia corrente célula a célula, evitando zonas quentes e “estresse” desnecessário.
Chassi, aero e silêncio: como ele anda
O Eclipse EV não busca postura de hot hatch; aposta na estabilidade limpa. A bateria estrutural abaixa o centro de gravidade, a suspensão multibraço posterior filtra irregularidades sem deixar a carroceria rolar excessivamente e a aerodinâmica minimiza vórtices de roda e de retrovisor — ganhos pequenos que somam quilômetros de alcance. O resultado é um rodar silencioso, com regeneração ajustável por palhetas, e transições de torque sem “nervosismo” de software.
Cabine e software: veículo definido por código
A interface junta painel digital e multimídia ampla com atualização over-the-air (OTA) de mapas de navegação, gestão de recarga e assistências. O pacote de ADAS de nível 2 (ACC com para-e-segue, centragem de faixa, leitura de placas, AEB com detecção de pedestres/ciclistas) vem com calibração urbana, priorizando o engarrafamento e a via rápida com sinalização decente. Nos bastidores, o gerente de energia cruza trajeto, temperatura e disponibilidade de HPC para sugerir paradas com bateria na janela ideal — menos tempo no posto, menos envelhecimento no pack. V2L (energia para equipamentos externos) é oferecido em versões específicas, útil para trabalho e lazer.

Identidade: o que faz dele um Mitsubishi
A carroceria recebe assinatura luminosa própria, para-choques e rodas exclusivas, além de ajustes de suspensão e direção que buscam um acerto ligeiramente mais “cheio” em pisos ruins — diferencial útil em mercados emergentes. Por dentro, materiais, padronagens e ergonomia dão tom à marca, preservando a arquitetura elétrica e a lógica de comando compartilhadas na Aliança. É uma boa síntese: economia de escala no que o cliente não vê (células, inversores, software de base) e personalidade no que ele toca e enxerga.

Brasil e estratégia: onde ele pode encaixar
Com redes de recarga em aceleração nas principais capitais, o Eclipse EV mira o miolo do mercado de elétricos urbanos/rodoviários leves, onde preço de aquisição e TCO (custo por quilômetro) começam a disputar espaço com híbridos e compactos a combustão. O pacote técnico — 400 V, AC 11–22 kW, DC ~150 kW, bomba de calor e ADAS consistente — compõe a narrativa certa para o uso real: recarregar em casa ou no trabalho, viajar em corredores com HPC e reduzir custo de manutenção via software e menor número de peças de desgaste.
O emblema na grade pode mudar. A física que move o carro, não. Quando plataforma, térmica e software cantam a mesma música, eletrificar deixa de ser façanha e vira método. O Eclipse EV chega justamente para isso.