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BMW Vision CE: quando a segurança vira arquitetura

Erik Perin
04 de setembro de 2025
Acessos: 26

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A BMW voltou a cutucar a lógica das duas rodas com um estudo que desloca a discussão de “potência e autonomia” para “estrutura e software”. O Vision CE reaprende o dicionário da mobilidade urbana ao combinar célula de segurança, autobalanceamento e propulsão elétrica num único objeto. Não é apenas um conceito estilístico: é um arranjo técnico que tenta resolver, de uma vez, três frentes que sempre travaram a adoção ampla de motos nas cidades — estabilidade, proteção do ocupante e baixa complexidade operacional.

BMW Vision CE
BMW Vision CE

Um “monocasco” pensado como casulo

O que chama a atenção, antes de qualquer cifra, é a cage estrutural — uma armação tubular que funciona como célula de proteção, integrada ao assento e ao cinto. Em vez de carenagem fechada, a BMW mantém a sensação de “moto aberta”, mas cria um perímetro rígido com zonas de dissipação e um ponto de ancoragem consistente para contenção do corpo. A leitura é clara: o capacete deixa de ser obrigatório em jurisdições onde a lei o permita porque a proteção passa a ser intrínseca ao veículo, não um acessório vestível. Mais do que um resgate do espírito do antigo C1, é uma atualização com materiais e cálculos de crash modernos.

Casulo da BMW Vision CE
Casulo da BMW Vision CE

Estabilidade por controle ativo

O Vision CE apresenta função de autobalanceamento. Tecnicamente, isso significa casar uma IMU de múltiplos eixos (medindo inclinação, guinada e acelerações) a atuadores de direção e tração capazes de corrigir a verticalidade a baixas velocidades e, em repouso, evitar tombos. Em dinâmica real, o sistema modula microcorreções de esterço e torque na roda para “quebrar” a tendência de queda, algo semelhante ao que se faz em robótica sobre duas rodas — só que com massa, pneus e irregularidades de asfalto de verdade. O resultado prático é reduzir a exigência de habilidade fina em manobras, uma trava histórica para usuários iniciantes.

Estrutura com autobalanceamento
Estrutura com autobalanceamento

Propulsão elétrica como meio, não fim

A motorização é elétrica por desenho, não por modismo. Ao remover ruído, vibração e troca de marchas, libera-se margem de projeto para ergonomia, conectividade e segurança funcional. A bateria no assoalho rebaixa o centro de gravidade, ajudando a estabilidade lateral; o controle térmico (líquido ou por heat-spreaders, conforme a execução de engenharia) protege desempenho sustentado; e a frenagem regenerativa vira parte da calibração de conforto, não só de eficiência. Importa menos “quanto corre” e mais como se comporta num trajeto urbano de 7 a 12 quilômetros cheios de semáforos e faixas de pedestre.

Interface e sistemas de apoio

A proposta dialoga com a linguagem atual de mobilidade: painel totalmente digital, integração com smartphone, atualizações remotas e um pacote de assistências coerente com o uso urbano — alerta de colisão frontal, monitoramento de pontos cegos, controle de tração sensível ao ângulo e limitadores contextuais de desempenho (úteis em áreas compartilhadas com ciclistas e pedestres). O autobalanceamento conversa com tudo isso: há sinergia entre a leitura de ambiente e as respostas do trem dianteiro, substituindo reflexos humanos por algoritmos que padronizam o comportamento.

Interface de Pilotagem
Interface de Pilotagem

Legalidade, cultura e a volta do “transportar sem vestir”

O Vision CE não ignora a heterogeneidade legal do mundo. Em alguns países, o capacete continuará obrigatório; em outros, a célula de segurança poderá dispensá-lo. A tese da BMW é cultural: retirar barreiras de entrada (equipamentos, guarda-chuva de normas, curva de aprendizado) sem abandonar a segurança objetiva. A cidade contemporânea pede meios ágeis, limpos e previsíveis. Se a proteção deixar de estar no corpo e voltar ao veículo, o caminho fica menos friccionado — inclusive para políticas públicas de micromobilidade motorizada.

Transporte "Vestivel"
Transporte "Vestivel"

O que a engenharia está ensaiando

  • Célula rígida + cinto: transfere energia de impacto para a estrutura e reduz contato primário do ocupante com o ambiente.

  • IMU + atuadores: correções de balanço e de trajetória a baixas velocidades, com ganho enorme em manobrabilidade para público amplo.

  • Bateria em piso: distribuição de massa favorável à estabilidade, com gerenciamento térmico que sustenta repetição de arranca-e-para.

  • Arquitetura aberta: sensação de liberdade preservada, sem perder a integridade estrutural — meio-termo entre “carroça fechada” e “moto exposta”.

O Vision CE é menos “protótipo de salão” e mais ensaio de sistemas: um conjunto de hipóteses tecnológicas e urbanas colocado em forma de scooter. Se virar produto, ótimo. Se não, a lição permanece: quando segurança deixa de ser roupa e vira geometria, código e material, a moto urbana muda de assunto — e a conversa, finalmente, sai da prateleira dos equipamentos e volta para onde sempre deveria estar: no projeto.