CEMOBE Unicamp: Onde a Mobilidade Elétrica Ganha Consistência Científica no Brasil

Por Erik Perin
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Poucos eventos recentes simbolizam tanto a virada de chave na mobilidade elétrica brasileira quanto o lançamento do CEMOBE — Centro de Pesquisa em Mobilidade Elétrica da Unicamp. Não se trata apenas de mais uma unidade acadêmica, mas do primeiro polo latino-americano com sede própria, totalmente dedicado a traduzir os desafios do transporte limpo em avanços tecnológicos, políticas públicas e formação de mão de obra qualificada.
A instalação do CEMOBE não surge por acaso. O momento é delicado: à medida que o mundo acelera a transição energética e as cidades latino-americanas se veem pressionadas por emissões e congestionamentos, o Brasil, que detém massa crítica em engenharia, carecia de uma infraestrutura articulada, multidisciplinar e permanente para a pesquisa em mobilidade elétrica. A Unicamp, tradicionalmente uma das universidades mais inovadoras do país, preenche esse vácuo ao criar um centro onde teoria e aplicação não apenas coexistem, mas se alimentam mutuamente.

Logo na entrada do CEMOBE, a ambição é palpável: ali, temas como baterias de alta densidade, recarga bidirecional (V2G e V2H), simulações de integração à rede elétrica e durabilidade de células de íons de lítio deixam de ser abstrações. Os laboratórios vão além do óbvio: testam desde química avançada de eletrodos e eletrólitos sólidos até métodos para mitigar degradação térmica em ciclos extremos — área essencial para o desempenho em clima tropical, pouco estudada nos grandes centros globais. A pesquisa envolve ainda alternativas além do lítio, como baterias de sódio e configurações híbridas, olhando para tendências internacionais de segurança, custos e autonomia.
Em paralelo, o CEMOBE se debruça sobre a eletrônica embarcada dos novos veículos. Redes CAN, protocolos de comunicação inteligentes, softwares de diagnóstico preditivo e ADAS (Advanced Driver Assistance Systems) passam pelo crivo dos pesquisadores, que buscam aprimorar tanto a experiência do usuário quanto a eficiência sistêmica do veículo em deslocamentos urbanos, rodoviários e logísticos. Nesse aspecto, ganha relevância o estudo de interoperabilidade entre diferentes modais e fontes energéticas — não basta, afinal, eletrificar a frota: é preciso garantir fluidez, resiliência e escalabilidade.
Outro trunfo do centro é a capacidade de simular, em escala laboratorial e semi-industrial, cenários de integração dos veículos à infraestrutura elétrica brasileira. Os pesquisadores trabalham com algoritmos de carregamento inteligente que distribuem o consumo em horários de baixa demanda, mitigam picos e testam, com bancos de carga e microgrids, os impactos da adoção massiva de elétricos sobre a estabilidade da rede. O laboratório de simulação de recarga já opera com protocolos internacionais e modelos de interoperabilidade para integração com smart grids — área vital para evitar o colapso da infraestrutura elétrica nos centros urbanos, especialmente em horários críticos.

O CEMOBE nasce ainda conectado a um ecossistema amplo. Parcerias estratégicas com montadoras, utilities, fabricantes de baterias e órgãos públicos ampliam a capacidade de transformar ciência em produto, conceito em política pública. Não à toa, o centro já se posiciona como plataforma para projetos-piloto e testes de regulamentação — desde padrões técnicos nacionais até incentivos fiscais inteligentes, modelados com base em evidências colhidas em ambiente controlado e replicável.
Por fim, há um aspecto menos visível, mas decisivo: a formação de capital humano. O CEMOBE se propõe a ser celeiro de engenheiros, urbanistas, cientistas de dados e gestores capazes de ler o transporte sob ótica transversal, com entendimento profundo dos impactos sociais, econômicos e ambientais da eletrificação. Essa geração, formada na interseção de teoria e prática, será protagonista na transição energética brasileira.
O futuro do transporte passa pelo laboratório, mas não termina ali. Ao inaugurar o CEMOBE, a Unicamp planta um núcleo de pensamento e ação, onde as perguntas certas podem, enfim, receber respostas locais, sofisticadas e relevantes. Enquanto o setor observa e espera, a pesquisa avança, silenciosa, abrindo caminho para que a mobilidade elétrica deixe de ser promessa — e torne-se normalidade técnica, econômica e social no Brasil.